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Luiz Carlos Iorio
Área do articulista

LUIZ CARLOS DA CRUZ IORIO

ADVOGADO 

OAB/RJ 79.622

CONSULTOR JURÍDICO


Artigo do articulista

O Abandono do Cargo nas Organizações Públicas

 

O Abandono do Cargo nas Organizações Públicas

 

 

 

 

 

Luiz Carlos da Cruz Iorio - Advogado-OAB/RJ nº 79.622. Consultor Jurídico.  Especialista em Direito Administrativo/Direito Público. Email:luizcarlosiorio@yahoo.com.br.

 

 

 

 

 

 

RESUMO

No contexto administrativo, é crucial debater a solução adequada quando a Administração Pública falha em iniciar prontamente uma investigação sobre o abandono de cargo por parte de um servidor, sem violar disposições legais ou constitucionais. Para isso, é fundamental analisar as posturas adotadas pela A.G.U., S.T.J., S.T.F. e até mesmo pela subchefia para assuntos jurídicos da presidência da república. O princípio da legalidade exige que a Administração se submeta integralmente às leis, e assim deve ser. A subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil argumentava que o abandono de cargo constitui uma infração que se perpetua ao longo do tempo. Portanto, enquanto persistir a ausência do servidor, o Estado pode exercer sua ação punitiva, pois a cada período de 31 dias de ausência ocorre uma nova infração. Assim, a Administração Pública pode iniciar um procedimento de apuração a qualquer momento, já que as infrações não estarão prescritas. Por outro lado, a Advocacia-Geral da União refuta essa tese, argumentando que não há múltiplos abandonos, mas apenas um. Além disso, uma vez que o cargo foi abandonado, não pode ser abandonado novamente. Na interpretação apresentada, o abandono de cargo configura uma infração administrativa instantânea de efeitos permanentes enquanto perdurar essa situação de ausência do trabalho. Portanto, é do interesse da Administração Pública e da lei que essa conduta seja investigada e apurada.

 

 

 

PALAVRAS CHAVE

Contexto administrativo, solução adequada, abandono de cargo, legalidade, investigação.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Abstract:

 

In the administrative context, it is crucial to debate the adequate solution when the Public Administration fails to promptly initiate an investigation into an employee's abandonment of their position, without violating legal or constitutional provisions. For this, it is essential to analyze the stances adopted by the Attorney General's Office, Superior Court of Justice, Supreme Federal Court, and even by the sub-chief for legal affairs of the presidency. The principle of legality demands that the Administration fully submit to the laws, and so it should be. The sub-chief for Legal Affairs of the Civil House argued that the abandonment of the position constitutes an infraction that persists over time. Therefore, as long as the employee's absence persists, the State can exercise its punitive action, as each period of 31 days of absence constitutes a new infraction. Thus, the Public Administration can initiate an investigation procedure at any time, as the infractions will not be time-barred. On the other hand, the Attorney General's Office refutes this thesis, arguing that there are not multiple abandonments, but only one. Moreover, once the position has been abandoned, it cannot be abandoned again. In the interpretation presented, the abandonment of the position constitutes an administrative infraction of instantaneous and permanent effects as long as this situation of work absence persists. Therefore, it is in the interest of the Public Administration and the law that this conduct be investigated and clarified.

 

 

 

 

KEYWORDS Administrative context, adequate solution, abandonment of position, legality, investigation.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sumário: Introdução. 1. Desenvolvimento. 2. Processo Administrativo Disciplinar. 3. Do abandono do cargo. 3.1. Do abandono do cargo: Elementos. 3.2. Do abandono do cargo: Natureza Jurídica. Conclusão. Referências

Introdução

 

Analisando diversos assuntos, me despertou a atenção para a necessidade de um estudo mais aprofundado de forma a contribuir e tentar, mesmo que singelamente, desvendar o que ocorre hoje em relação ao que chamamos de abandono do cargo no serviço público.

 

Trata a análise de Processo Administrativo instaurado, com o fito de apurar suposto ilícito funcional, qual seja, mais de 30 (trinta) dias de faltas consecutivas ao Serviço Público, em tese, cometidos por servidor público, em períodos de 5 (cinco) e 10 (dez) anos e a partir daí não retornou as suas atividades até os dias de hoje, sem apresentar quaisquer justificativas, o que fazer.

 

Neste passo, deve ser aberto processo administrativo e pelo decurso de tempo se o servidor não for localizado ou não mais tiver interesse em se defender, deve ser feito a realização da chamada citação editalícia, dentro dos ditames da legislação.

 

Nesta pegada de raciocínio, a Comissão procede com o termo de revelia por abandono, posto que não houve manifestação da servidora durante o lapso temporal ali exposto.

 

1-Desenvolvimento:

 

Com a análise do caso, vislumbro que este processo administrativo, de fato, que sequer foi iniciado quiçá finalizado com a demissão do servidor, acabara de gerar um impasse quanto a manutenção da mesma na estrutura dos servidores efetivos e sem a devida dispensa da mesma.

 

Cumpre salientar que, pela regra estaria o mesmo prescrito, em virtude de ter se operado mais de 07 ou 10 anos desde a ciência da Administração até então vigente à época quanto esta irregularidade funcional.

 

Entretanto, convém tecer algumas considerações, posto que prescrito não restou caracterizado mesmo com o advento do tempo, conforme restará esclarecido.

 

Considerar-se-á abandono de cargo o não comparecimento do funcionário ao serviço por mais de 30 (trinta) dias consecutivos. Assim, somente na 31ª (trigésima primeira) falta caracterizar-se-á o abandono de cargo.

 

2- Processo Administrativo Disciplinar:

 

O processo administrativo disciplinar é o mecanismo legalmente estabelecido para garantir o funcionamento regular do poder e competência que a Administração Pública possui para estabelecer padrões de conduta para seus servidores. Seu objetivo é preservar a estabilidade na prestação e fornecimento de serviços públicos, podendo culminar em sanções administrativas.

 

No entanto, o Processo Administrativo Disciplinar não se limita apenas a ser o meio legal para impor penalidades administrativas. Ele também deve ser encarado como o meio pelo qual a inocência do servidor pode ser comprovada, já que tem como propósito exclusivo esclarecer os eventos relatados na representação ou denúncia relacionados, direta ou indiretamente, à prática da infração.

 

Portanto, o processo administrativo é exigido por lei para a aplicação da penalidade, pois somente após cumprir todas as formalidades legais, incluindo o direito à ampla defesa e contraditório, é que a penalização pode ser aplicada.

 

Um dos princípios e requisitos de validade que devem ser observados em qualquer esfera dos Poderes da Administração Pública é o devido processo legal. Como o próprio termo sugere, estamos diante de uma sequência de princípios e normas legais e constitucionais que devem ser aplicados no processo para garantir uma solução conforme a Constituição.

 

O devido processo legal não se limita apenas aos princípios do contraditório e da ampla defesa, mas também está relacionado a alguns princípios do processo administrativo sancionador. Dentre esses, destacam-se o princípio da tipicidade, o princípio da presunção de inocência, o princípio da motivação das decisões e o princípio da prescrição.

 

3- Do Abandono de Cargo

 

Configura-se abandono de cargo a ausência intencional do servidor ao serviço por mais de 30 (trinta) dias consecutivos.

 

Dessa forma, tem-se que, para que esteja configurada a mencionada infração disciplinar.  É necessário que se comprove não só a ausência ao trabalho, mas também a intenção de permanecer ausente, no caso do abandono de cargo.

3.1- Do Abandono de Cargo: Elementos

 

No que se refere à intenção por trás da conduta, além da própria ausência, é necessário considerar a intenção de se ausentar (animus abandonandi), que pode surgir por meio de dolo direto ou eventual. Isso significa que o servidor pode querer se ausentar deliberadamente ou, mesmo não desejando, assumir o risco de que isso aconteça.

 

No entanto, não é requerido que haja prova de que o servidor tinha a intenção de abandonar permanentemente o cargo. A comissão responsável deve fazer todos os esforços para investigar se há justificativas para a ausência do servidor. Isso inclui consultar o setor de recursos humanos para verificar se foi apresentado um pedido de afastamento por motivos justificáveis. A ausência de tais motivos pode configurar outra infração, como a falta de assiduidade e pontualidade no serviço, pela ausência de motivos enquanto o pedido de afastamento estava sendo considerado.

 

O motivo para a ausência precisa ser significativo, pois a ausência injustificada sugere falta de interesse do servidor em cumprir suas obrigações no serviço público. Essa suposição só é afastada em caso de força maior, entendida como uma barreira intransponível, externa ao servidor, que o libera da responsabilidade.

 

Segundo José Armando da Costa, o abandono de cargo é caracterizado pela ausência do funcionário ao seu local de trabalho por mais de trinta dias consecutivos, sem que haja circunstâncias insuperáveis e legítimas que justifiquem essa falta de comparecimento.

 

Nessas situações, mesmo que o servidor não tenha deliberadamente planejado abandonar o cargo (dolo direto), ainda assim estará cometendo essa infração disciplinar (dolo eventual). As "circunstâncias insuperáveis" mencionadas são aquelas que impossibilitam o comparecimento ao local de trabalho e que são baseadas em razões alheias à vontade do servidor acusado. Portanto, não seria aceitável qualquer motivo para justificar o abandono, apenas sendo válidos aqueles que se referem a motivo de força maior ou ao estado de necessidade, entendidos como obstáculos intransponíveis, de origem externa, que isentam o servidor de responsabilidade.

 

Dessa forma, o elemento de vontade da conduta (animus abandonandi) deve ser analisado objetivamente com base nas circunstâncias específicas do caso, considerando a existência ou não de uma causa justificada apresentada pelo servidor para suas ausências.

 

O ilícito de abandono de cargo no âmbito administrativo é definido pelo próprio estatuto que rege os servidores públicos, como "a ausência intencional do servidor ao serviço por mais de trinta dias consecutivos".

 

Ao examinar o dispositivo mencionado, é possível identificar a presença de dois elementos essenciais para a caracterização da infração. O primeiro elemento, de natureza objetiva, refere-se ao decorrer do tempo, que se manifesta na ausência do servidor por um período superior a 30 dias consecutivos. O outro elemento é subjetivo e leva em consideração a intenção da conduta do servidor, consistente na "ausência intencional", denominada de animus abandonandi.

 

Desta forma, caberá a Comissão não apenas constatar (elemento objetivo) a ausência pelo prazo trintenário, mas, também, a intenção de se ausentar (elemento subjetivo), a qual pode ocorrer por dolo direto ou eventual, isto é, quando o servidor deseja ausentar-se ou, não desejando, assume o risco de produzir o mesmo resultado, conforme firme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

 

 

EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. MATÉRIA DISCIPLINAR. ANALOGIA COM O DIREITO PENAL. ABANDONO DE CARGO. NATUREZA PERMANENTE. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. CESSAÇÃO DA PERMANÊNCIA.

  • - As condutas que são objeto de persecução na esfera administrativa poderão, ante a omissão legislativa administrativa, por analogia e conforme avaliação do caso concreto, obedecer aos mesmos critérios do direito criminal, inclusive quanto a natureza jurídica das infrações e suas implicações quanto à contagem do prazo prescricional.

 

  • - A vontade do agente incide diretamente não apenas para a configuração do abandono de cargo, mas também para a situação de permanência que produz efeitos jurídicos, restando caracterizada, portanto, a prorrogação de sua base consumativa.

 

  • - A infração funcional de abandono de cargo possui caráter permanente e o prazo prescricional apenas se inicia a partir da cessação da permanência.

 

  • - Deve-se ter a superação (overruling) das razões de decidir (ratio decidendi) sufragadas nos Pareceres GQ - 206, GQ - 207, GQ - 211 e GQ - 214, com eficácia prospectiva, com base nas recentes decisões judiciais do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria, na doutrina e na legislação ordinária estadual.

 

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. PROFESSOR DA REDE PÚBLICA ESTADUAL DO RIO GRANDE DO SUL. DEMISSÃO POR ABANDONO DE CARGO. ANIMUS ABANDONANDI NÃO DEMONSTRADO. PEDIDO DE LICENÇA ANTERIORMENTE FORMULADO NÃO RESPONDIDO PELA ADMINISTRAÇÃO.

1.             A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça mostra-se pacífica quanto à necessidade de a Administração demonstrar a intenção, a vontade, a disposição, o animus específico do servidor público, em abandonar o cargo que ocupa.

  1. A existência de prévio pedido de licença para acompanhar o cônjuge feito com mais de quatro meses de antecedência - não respondido pela administração - afasta a presença do animus abandonandi, requisito necessário à aplicação da pena de demissão por abandono de cargo.
  2. Agravo regimental a que se nega provimento. ” (AgRg no RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 24.623, Rel. Min. Og Fernandes, 6ª Turma, julgado em 27 de agosto de 2013)

 

Diante da necessidade de ambos os elementos para a configuração do ilícito, é importante ressaltar que o abandono não ocorrerá automaticamente, apenas a partir das faltas registradas no controle de frequência do servidor. É imprescindível que haja a intenção de se afastar do cargo.

 

Vale destacar que, naturalmente, a demonstração da intencionalidade do servidor em abandonar o cargo não precisa ser explícita, como uma declaração formal com firma reconhecida em cartório, confirmando seu "animus abandonandi". No entanto, essa intenção deve ser evidenciada pelas circunstâncias do caso, especialmente através da investigação e constatação de comportamentos incompatíveis do servidor público com o dever de desempenhar suas funções laborais.

 

De outra ponta, durante esse iter processual, a intencionalidade do servidor pode ser ilidida por justificativa comprovada de que a falta ao serviço se deu por justa causa, por força maior ou por situação que tornou insuperável a necessidade de se afastar de suas funções, sob pena de caracterização da infração do abandono de cargo, conforme firme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in litteris:

 

“RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. DELEGADO DA POLÍCIA CIVIL. DEMISSÃO POR ABANDONO DE CARGO. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. ATO DEMISSÓRIO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO. AUSÊNCIA DE ANIMUS ABANDONANDI DO SERVIDOR. FALTA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA.

  1. Afasta-se a alegação de cerceamento de defesa e de nulidade do ato impetrado se assegurado, no processo administrativo que resultou na demissão do servidor, o direito à ampla defesa e ao contraditório, bem como se devidamente fundamentado o ato demissório.

2.                     O servidor que se ausenta voluntariamente do serviço por duzentos e seis dias consecutivos sem apresentar qualquer justificativa à Administração e sem comprovar a existência de motivos de força maior ou de coação ilegal que embasem a sua longa ausência deve ser demitido por abandono de cargo, nos termos do artigo 63 da Lei Estadual nº 10.261/68.

          Recurso ordinário improvido. (RMS 19781, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, Julgado em 20 de outubro de 2009.”

 

Neste contexto, é inegável que o dolo, ou seja, o elemento subjetivo que evidencia a intencionalidade do agente, é fundamental para a consumação da infração de abandono.

 

Além disso, a vontade do agente também influencia diretamente a persistência da ilegalidade, que pode perdurar por diferentes períodos de tempo, como um dia, trinta dias, um ano ou cinco anos. Assim como no crime de sequestro, mesmo que a infração já esteja configurada, é o agente quem decide se permanecerá ou não na prática do ilícito.

 

Nesse sentido, é importante ressaltar que o fato de a infração se consumar após um período superior a 30 dias não significa que a continuidade da situação de abandono seja apenas uma consequência da infração já consumada. Pelo contrário, se a configuração do abandono não ocorre de forma objetiva e se o servidor pode retornar ao serviço até que seja formalmente demitido por meio de um processo administrativo disciplinar regular, conclui-se que a continuidade depende diretamente da intenção do agente.

 

Além disso, é relevante notar que a permanência do servidor ausente acarreta implicações jurídicas, como a suspensão do recebimento de salários e o impacto na contagem de tempo para promoção, aposentadoria, remoção, entre outros. Enquanto não demitido, por meio de um processo disciplinar adequado, o servidor mantém formalmente essa condição, podendo se apresentar como tal, utilizar recursos e ter acesso a sistemas exclusivos para agentes públicos.

 

Portanto, é inquestionável que não apenas a vontade do agente é crucial para a configuração do abandono de cargo, mas também para sua continuidade, o que acarreta consequências jurídicas e nos leva a concluir que se trata de uma prorrogação da base consumativa.

 

3.2.- Do Abandono de Cargo: Natureza jurídica

 

No que diz respeito ao delito disciplinar do abandono de cargo, estabelecer sua base consumativa é essencial para determinar o início da contagem do prazo prescricional correspondente.

 

De forma preliminar, é importante esclarecer que tanto os ilícitos disciplinares quanto os penais se dividem basicamente em instantâneos, permanentes e instantâneos com efeitos permanentes.

 

De acordo com Fabbrini Mirabete, no que diz respeito à natureza da ação, os crimes podem ser classificados como instantâneos, permanentes e instantâneos com efeitos permanentes. Ele define o "crime instantâneo" como aquele cuja consumação ocorre de uma vez e se encerra, sem se prolongar no tempo. Por outro lado, o "crime permanente" se caracteriza pela prolongação da consumação no tempo, dependendo da ação do sujeito ativo. Já os "crimes instantâneos com efeitos permanentes" ocorrem quando a infração é consumada em um momento específico, mas seus efeitos persistem independentemente da vontade do agente.

 

Seguindo essa mesma linha de pensamento, Guilherme Nucci explica que os crimes instantâneos são aqueles em que a consumação ocorre com uma única ação e não resultam em consequências prolongadas no tempo. Por outro lado, os crimes permanentes se consumam com uma única ação, mas a situação ilícita gerada se prolonga no tempo conforme a vontade do agente. Exemplos disso são o sequestro e o cárcere privado.

 

Quanto aos crimes instantâneos com efeitos permanentes, Nucci os descreve como delitos instantâneos que parecem permanentes devido ao seu modo de execução.

 

Após essa breve explanação sobre essas categorias de crimes, é importante agora determinar a qual delas o abandono de cargo disciplinar pertence.

 

Como mencionado anteriormente, não apenas a vontade do agente é crucial para a configuração do abandono de cargo, mas também para sua continuidade.

 

Analisando o ilícito administrativo do abandono de cargo à luz da teoria do momento do crime, cuja aplicação é interdisciplinar, observa-se que esse delito apresenta um duplo grau, como destacado por José Armando da Costa. Isso significa que há uma fase pré-consumativa e outra pós-consumativa, ambas dependentes da vontade do agente e que têm efeitos jurídicos.

 

Conforme explicado pelo autor mencionado, as bases projetivas do abandono de cargo são claramente definidas no trigésimo primeiro dia de falta injustificada ao serviço. O período que antecede essa marca (de um a trinta dias) é considerado pré-consumativo, enquanto o período posterior é denominado pós-consumativo. Enquanto este último se estende indefinidamente a partir do trigésimo primeiro dia (estabelecendo a base consumativa daí em diante), aquele requer apenas uma duração de trinta dias.

 

Como mencionado anteriormente, a disponibilidade do agente para continuar ou não sua conduta delituosa é o critério diferenciador entre o crime instantâneo com efeito permanente e o crime permanente. No segundo caso, a continuidade fica inteiramente a critério do agente que comete a ação anômala, enquanto no primeiro, uma vez consumado o crime instantaneamente, suas consequências não dependem mais da vontade do autor.

 

Analogamente ao Direito Penal, nos casos de crimes como cárcere privado, sequestro e redução à condição análoga de escravidão, todos considerados crimes permanentes, a ação criminosa se estende pelo tempo determinado pelo autor. Isso não ocorre, por exemplo, no caso do crime de bigamia (art. 235 do CP). Este, por ser instantâneo com efeito permanente, se consuma no momento da celebração do segundo casamento. A partir desse momento, seus efeitos ocorrem independentemente da vontade do agente.

 

Seguindo essa mesma lógica, na infração disciplinar do abandono de cargo, tanto a fase pré-consumativa (trinta dias consecutivos de ausência ao serviço) quanto a fase pós-consumativa (a partir do trigésimo primeiro dia) estão sob o controle do agente público e acarretam consequências jurídicas em ambas as situações, como mencionado anteriormente. Portanto, não podemos classificar esse delito como instantâneo com efeito permanente, já que, como já mencionado, sem essa disponibilidade do agente público ("ausência intencional..."), o abandono não é caracterizado, independentemente do número de faltas ou da duração da permanência, que produzem efeitos jurídicos até que o agente decida retornar voluntariamente ao cargo ou que o procedimento disciplinar sancionatório seja concluído pelo Município.

 

Portanto, devido à natureza jurídica do abandono de cargo como infração de caráter permanente, o prazo prescricional começa a contar apenas a partir do dia em que a permanência cessa.

 

Para eliminar quaisquer dúvidas sobre a existência dessas categorias em relação ao momento consumativo também nos ilícitos disciplinares, destaca-se a previsão expressa contida no Estatuto dos Servidores Públicos de Santa Catarina (Lei Estadual nº 6.745, de 28 de dezembro de 1985), que classifica o abandono de cargo como infração de caráter permanente e estabelece que o prazo inicial para a contagem do prazo prescricional começa apenas "do dia em que cessar a permanência". Considera-se inassiduidade permanente a ausência ao serviço, sem justa causa, por mais de 30 (trinta) dias consecutivos; e inassiduidade intermitente, a ausência ao serviço sem justa causa, por 60 (sessenta) dias, intercaladamente, num período de 12 (doze) meses.

Interpretando a legislação estadual em um caso de abandono de cargo por um servidor daquela unidade federativa, o Superior Tribunal de Justiça, em evolução aos seus precedentes, decidiu que a infração de abandono de cargo possui caráter permanente e que, em razão disso, o termo inicial do prazo prescricional se dá a partir do dia em que cessar a permanência, in verbis:

 

 

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PENA DE DEMISSÃO. INASSIDUIDADE PERMANENTE. PRAZO PRESCRICIONAL. TERMO A QUO. CESSAÇÃO DA PERMANÊNCIA.

  1. Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado de Santa Catarina (Lei 6.⁷⁴⁵⁄as) enquadrou, expressamente, a infração disciplinar perpetrada pelo recorrente como de caráter permanente e estabeleceu que o prazo prescricional da ação disciplinar em se tratando de ilícitos permanentes punidos com demissão é de 5 (cinco) anos, tendo como termo a quo o dia em que cessar a permanência.
  2. No caso concreto, a inassiduidade do recorrente iniciou-se com o fim do período de licença para tratar de interesses particulares que lhe fora concedido pela Administração (¹⁹⁄12⁄2000) e permaneceu até o seu efetivo retorno ao trabalho em ²⁰⁄s⁄2001, sendo este o marco inicial da contagem do prazo prescricional. Não há falar, portanto, em prescrição do Processo Administrativo Disciplinar, haja vista que a Portaria que determinou a sua instauração foi publicada em ³¹⁄12⁄2001, antes do decurso do prazo prescricional, devendo, por conseguinte, ser mantida a sanção aplicada.
  3. Recurso ordinário não provido.” (RMS 44.169, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª Turma, unânime, DJe de 07/04/2014)

 

Outrossim, destaca-se o julgado mais recente daquela Corte Superior acerca do momento consumativo da infração de abandono de cargo, por intermédio do RMS 45.353 (DJe de 15/08/2015), que, apontando para a virada de sua jurisprudência, consignou a existência de entendimento anterior do Tribunal sobre o tema e que, por se tratar de ilícito permanente, o termo a quo do prazo prescricional da referida infração somente se inicia do dia em que cessa a permanência, conforme destacado no voto do Min. Relator Og Fernandes, da 2ª Turma.

 

Portanto, deve a Administração Pública instaurar o competente processo administrativo disciplinar sumaríssimo no prazo de 5 (cinco) anos. A dúvida, não obstante, mostra-se presente em relação ao termo inicial da contagem do tempo para exercício desta pretensão. Este Superior Tribunal de Justiça já se posicionou sobre o tema e entendeu que, por se tratar de ilícito permanente, o termo a quo se inicia do dia em que cessa a permanência.” (Grifei)

 

Diante do exposto, e com base nas razões de fato e de direito expostas no presente parecer, conclui-se que a infração funcional de abandono de cargo possui caráter permanente e o respectivo prazo prescricional apenas se inicia a partir da cessação da permanência.

 

A​​ Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), especializada em direito público, aprovou um novo enunciado sumular.

 

As súmulas são o resumo de entendimentos consolidados nos julgamentos e servem para a orientação da comunidade jurídica a respeito da jurisprudência do tribunal.

 

Confira a nova súmula:

 

Súmula 650 – A autoridade administrativa não dispõe de discricionariedade para aplicar ao servidor pena diversa de demissão quando caraterizadas as hipóteses previstas no artigo 132 da Lei 8.112/1990. ​

 

Além disso, Régis Fernandes de Oliveira, ao citar Zanobini ao abordar a aplicação do direito penal no contexto do direito administrativo disciplinar, ressalta que "as normas do direito penal são aplicáveis à responsabilidade e às penalidades administrativas, desde que possam ser reconduzidas a princípios jurídicos gerais e não constituam princípios especiais, justificados por razões políticas e jurídicas próprias do direito criminal".

 

Portanto, ambos os estudiosos endossam a aplicação de diversos preceitos do direito penal ao processo administrativo disciplinar e à sindicância.

 

Diante dessa percepção e da constatação de que os princípios e institutos do direito penal, que foram estudados e desenvolvidos secularmente, possuem semelhanças com o direito administrativo disciplinar, é evidente, pela própria lógica jurídica, que as condutas sujeitas à análise na esfera administrativa podem, diante da omissão legislativa administrativa, ser regidas, de forma subsidiária, por analogia e conforme a avaliação do caso concreto, pelos mesmos critérios do direito penal, inclusive no que diz respeito à natureza jurídica das infrações e suas implicações relacionadas à contagem do prazo prescricional, como ocorre no caso do abandono de cargo.

 

Verifica-se que, quem por tanto tempo deixou de laborar suas tarefas, incorre em ilícito administrativo denominado abandono de cargo que tem provocado controvérsias sobre o seu entendimento, bem como a respeito do instituto prescricional. Nem a jurisprudência, nem doutrina são uniformes no particular.

 

A orientação mais condizente é aquela cuja diretriz se ressalta que o abandono, em questão, se verifica, pois quando o funcionário deixa o lugar onde deveria prestar os seus serviços, por tempo suficiente para concretizar a ofensa ao interesse geral da administração.

 

Vale salientar que é caracterizado como crime mesmo que o abandono identificado não acarrete prejuízos para a administração pública em questão. Portanto, toda a ausência de um servidor público ao seu serviço, deve sempre se comunicar qual é a sua motivação para tal questão, e esse motivo deve ser realmente de força maior. Isso se evidencia ainda mais por se tratar de uma ausência que seja destinada à períodos mais longos, como àqueles que sejam superiores ao prazo total de 30 dias corridos.

 

Desta forma, o que se discute é à solução a ser aplicada, em âmbito administrativo, nos casos em que a Administração Pública deixa de promover em tempo hábil o competente apuratório para o servidor que abandonou seu cargo, sem que sejam violadas disposições legais ou constitucionais, através de um estudo sobre os posicionamentos adotados pela Advocacia-Geral da União, Superior Tribunal de Justiça, Supremo Tribunal Federal e, até mesmo, da subchefia para assuntos jurídicos da presidência da república.

 

Considerando que o art.41 §1° da CF/88 prevê apenas 3 hipóteses de perda do cargo aos servidores públicos efetivos (sentença judicial transitada em julgado; processo administrativo; e avaliação periódica de desempenho), surge o questionamento de qual seria a solução aplicável, em âmbito administrativo,

 

Atinentes ao assunto em questão, o antigo DASP – Departamento Administrativo do Serviço Público, elaborou várias formulações, das quais citamos as de n°3 e n°98, onde defende a tese de que, nesses casos, seria aplicável a exoneração ex-officio:

 

N°3 Exoneração Ex-officio

“Será exonerado ex-officio o funcionário que, em face do abandono do cargo, extinta a punibilidade, pela prescrição, não manifesta expressamente vontade de exonerar-se”.

 

N°98 Exoneração Ex-officio

“A exoneração ex-officio se destina a resolver os casos em que não se pode aplicar a demissão”.

 

As duas citações referem-se à exoneração ex-officio de servidores públicos. A exoneração ex-officio é uma forma de desligamento do servidor que ocorre por iniciativa da Administração Pública, sem que haja necessidade de instauração de processo administrativo disciplinar.

 

No primeiro caso citado, a exoneração ocorre em decorrência do abandono do cargo, ou seja, quando o servidor deixa de exercer suas funções por um período prolongado sem justificativa. Se a punibilidade pela infração já estiver extinta pela prescrição, a exoneração pode ser feita ex-officio, ou seja, sem a necessidade de manifestação expressa do servidor.

 

Já no segundo caso, a exoneração ex-officio é aplicada quando a demissão não pode ser aplicada, seja porque o servidor em questão tem estabilidade no cargo ou porque a infração cometida não é considerada grave o suficiente para justificar a demissão.

 

Tais formulações foram acolhidas pela Advocacia-Geral da União, em diversos pareceres, dos quais citamos a título ilustrativo o parecer AGU/MF-02/99, da lavra do ilustre Consultor da União, Dr. Wilson Teles de Macedo.

 

Neste parecer, a Advocacia Geral da União menciona manifestação do STF, onde esta corte acolhe a exoneração ex-officio através do MS n° 20.111-DF, Rel. Min. Xavier Albuquerque, conforme se transcreve: “Exoneração ex-officio. É aplicável a funcionário que, havendo abandonado o cargo, nem pode ser demitido, por se haver consumado a prescrição, nem solicita exoneração. Interpretação do art. 75 da Lei 1.711 de 28.10.1952. Mandado de Segurança denegado”. (RTJ 89/39) (GRIFO NOSSO).

 

Data máxima vênia, ouso também discordar do entendimento solidificado pela Advocacia-Geral da União, com base nos seguintes fundamentos que abaixo passamos a expor.

 

Em primeiro lugar, salientamos a violação ao princípio da legalidade ao se adotar tal saída. Conforme reza tal princípio, a Administração Pública encontra-se adstrita aos estreitos limites dispostos na lei para praticar seus atos. Assim, no atual regime jurídico dos servidores estatutários, verifica-se a inexistência de dispositivo prevendo a aplicação de tal exoneração para hipóteses como a que foi acima exposta, razão pela qual entendemos incabível a saída acima aviltada, da exoneração ex-officio.

 

Em segundo lugar, tecemos as seguintes considerações acerca do julgado acima mencionado (MS n° 20.111-DF, Rel. Min. Xavier Albuquerque):

 

  1. a) conforme voto do Min. Aldir Passarinho (STF) no julgamento do MS 20.365-DF, onde faz referência ao MS 20.111-DF, este seria o único precedente da Corte Suprema encontrado sobre o assunto, tratando-se, portanto, a priori, de decisão isolada, conforme se verifica da transcrição do mesmo abaixo;

“A praxe administrativa, com apoio em pareceres do DASP e da ilustre Consultoria-Geral da República, tem sido no sentido de que o funcionário estável sobre o qual pesar a acusação de ter abandonado o emprego, não podendo ser demitido, em face de incidir a prescrição a impedir a aplicação da penalidade administrativa, deve ser exonerado, como forma de declarar a vacância do cargo, em atenção ao disposto no art. 75, II do Estatuto dos Funcionários Públicos civis.

 

O procedimento adotado é antigo, e já foi acolhido na corte, em julgamento plenário, no MS 20.111-DF, cujo acórdão foi publicado na RTJ 89, pág. 39/41, Relator o Sr. Ministro Xavier de Albuquerque, e do qual participaram os ainda integrantes deste Tribunal, Ministros Djaci Falcão, Cordeiro Guerra e Moreira Alves. Aliás, foi este o único precedente da corte sobre o assunto no parecer da douta Procuradoria Geral da República.

 

A decisão foi proferida antes da promulgação da atual constituição, razão pela qual entendemos impossível tal entendimento no atual ordenamento jurídico. Neste sentido também é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça conforme acórdãos abaixo transcritos:

 

Edcl no MS 7318/DF

 

MANDADO DE SEGURANÇA – ADMINISTRATIVO – SERVIDOR PÚBLICO – PROFESSORA UNIVERSITÁRIA – ABANDONO DE CARGO – RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO – EXTINÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA – IMPOSSIBILIDADE DA DEMISSÃO – ILEGALIDADE DA EXONERAÇÃO “EX OFFICIO” – OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE – INTELIGÊNCIA DO ART. 34 DA LEI 8.112/90 – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – ART. 535 DO CPC – AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS.

 

MS 7113 / DF

 

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. DECADÊNCIA. PRELIMINAR REJEITADA. SERVIDOR PÚBLICO. ABANDONO DE CARGO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO RECONHECIDA PELA ADMINISTRAÇÃO. EXONERAÇÃO EX-OFFICIO. IMPOSSIBILIDADEOFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. PAGAMENTO RETROATIVO DE VENCIMENTOS E DEMAIS VANTAGENS. NÃO CABIMENTO. SÚMULAS 269 E 271 DO STF.

I – Preliminar de decadência rejeitada, tendo em vista que não transcorridos mais de cento e vinte dias entre a data em que a servidora tomou ciência do ato punitivo e a data da impetração. O ato impugnado, consubstanciado na Portaria nº 576, publicada em 28.01.2000, não gerou efeitos concretos imediatos aptos a ensejar a abertura do prazo decadencial previsto no art. 18 da Lei nº 1.533/51, já que a servidora trabalhou e foi regularmente remunerada ao longo dos meses de janeiro a junho de 2000.

II – A Lei nº 8.112/90 prevê expressamente, no parágrafo único de seu art. 34, as duas hipóteses de cabimento da figura de exoneração ex-officio. A primeira se dá “quando não satisfeitas as condições do estágio probatório”, e, a segunda, “quando, tomado posse, o servidor não entrar em exercício no prazo estabelecido”.

III – No caso de infração disciplinar de abandono de cargo, punível com pena de demissão, a teor do art. 132, inciso II, da Lei nº 8.112/90, não pode a Administração Pública, ao seu próprio alvedrio, exonerar ex-officio servidora pública estável, ocupante de cargo efetivo do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, quando já reconhecida a prescrição da pretensão punitiva pela Administração, sob pena de violação ao princípio da legalidade.

IV – Imperioso se torna o reconhecimento da nulidade da Portaria nº 576/2000, que exonerou de ofício a servidora do cargo de Agente de Portaria dos quadros do INSS, com a consequente reintegração da mesma no cargo de origem.

V – Não sendo o mandado de segurança substitutivo de ação de cobrança, não há que se falar em pagamento de vencimentos e demais vantagens retroativas a data de seu afastamento, como pretende a impetrante, uma vez que o escopo do mandamus é resguardar direito líquido e certo pleiteado, a contar da data da impetração. Súmulas 269 e 271 do STF. Segurança parcialmente concedida.

 

Cometida a infração disciplinar, o direito abstrato de punir do ente administrativo convola-se em concreto. Todavia, o jus puniendi só pode ser exercido dentro do prazo prescrito em lei. Na hipótese foi apurado que o servidor abandonou o Cargo, sendo que a Administração instaurou o processo administrativo disciplinar e não finalizou, encontrando-se paralisado desde os idos de 2009; podendo alguns entenderem como expirado o prazo prescricional.

 

Desta forma, se entendia antigamente antes da Constituição Federal de 1988, que seria viável a declaração de sua exoneração “ex officio”, especialmente por se tratar de servidora efetiva e estável, entretanto, a hipótese hodiernamente é tratada como inconstitucional, incidindo tão somente nesta questão a demissão prescrita na Lei Complementar 0066/2019; bem como com supedâneo pós Constituição Federal de 1988, na hipótese ali prevista no ar. 41 §1º da CF; e uma delas reza somente através do processo administrativo.

 

O princípio da legalidade preconiza a completa submissão da Administração às leis. E assim deve ser.

 

A Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República defendia a tese pela qual o abandono de cargo consistiria em infração que se reitera ao longo do tempo, assim, enquanto perdurar a ausência, nunca será tardio o exercício pelo estado, da ação punitiva já que a cada período de 31 dias de ausência teríamos a consumação de nova infração. Desta feita, permanecendo o servidor nesta situação, isto é, com a reiteração da prática de conduta ilegal, a Administração Pública poderá sempre instaurar procedimento adequado para a apuração da falta, uma vez que as últimas infrações não estarão prescritas.

 

Refutando tal tese, a Advocacia-Geral da União afirma que não há, in casu, sucessivos abandonos, mas um só abandono, acrescentando ainda que uma vez abandonado, o cargo não pode ser, novamente, abandonado.

 

Entendo, contudo, Concessa vênia, que, na espécie, já explicitado acima o abandono de cargo era um ilícito administrativo instantâneo de efeitos permanentes, ou seja, enquanto durar ou melhor persistir essa situação de não retorno as suas atividades laborais, surgi assim dentro do interesse da Administração Pública e pela lei, o interesse para que se apure a conduta.

 

Entretanto, com o passar do tempo, a jurisprudência dominante se inclinou pela caracterização de um ilícito permanente e não mais as orientações anteriores que se davam conta de ilícito instantâneo de efeitos permanentes, frise-se.

 

Nesse caso, na administração pública brasileira a extinção de vínculo do servidor que possui um cargo efetivo ou que é estabilizado pela Constituição Federal somente poderá acontecer por meio de exoneração ou até mesmo pela demissão.

 

Cabe observar que, com a Constituição Federal de 1988, somente por processo administrativo que seja reconhecida a ampla defesa e o contraditório poderás o mesmo se desligar da Administração Municipal, vejamos:

 

Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.

  • 1º O servidor público estável só perderá o cargo:

I – Em virtude de sentença judicial transitada em julgado;

II – Mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;

III – mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa.

 

É de suma importância esclarecer que a infração de abandono, já outrora era igualado ao crime instantâneo de efeitos permanentes, dessa forma não havia o que se falar em prazo prescricional, conforme exposições jurisprudenciais, entretanto, repisa-se mais uma vez na matéria para ajustar que, doravante, por entendimento dos jurisconsultos o crime é permanente.

 

Cabe esclarecer que o prazo prescricional norteia os processos administrativos quanto aos demais casos, mas o de abandono não se deve se apegar ao formalismo moderado. Vejamos:

 

“Crime instantâneo é aquele que se consuma em momento determinado (consumação imediata), sem qualquer prolongamento. Não significa que ocorre rapidamente, mas que, uma vez reunidos seus elementos, a consumação ocorre peremptoriamente. O conceito de crime instantâneo não se confunde com a obtenção do proveito pelo sujeito ativo. Inicialmente, porque pode não haver vantagem material em decorrência do crime (num homicídio, por exemplo). Além disso, deve-se destacar que, ainda que haja vantagem, o fato, por exemplo, de o agente roubar um veículo e com ele permanecer não torna o crime permanente, já que a consumação ocorreu no momento em que, empregada a violência, a grave ameaça ou outro meio capaz de reduzir a vítima à impossibilidade de resistência, deu-se a subtração”.

 

“Crime permanente é aquele em que a execução se protrai no tempo por determinação do sujeito ativo. Ou seja, é a modalidade de crime em que a ofensa ao bem jurídico se dá de maneira constante e cessa de acordo com a vontade do agente. Por exemplo, a extorsão mediante sequestro. A relevância prática de se constatar a permanência é estabelecer o início da contagem do prazo prescricional, que só ocorre após a cessação da ofensa ao bem jurídico (artigo 111, inciso III, do Código Penal), além da possibilidade, em qualquer momento, da prisão em flagrante.”

 

“Nos crimes instantâneos de efeitos permanentes, a consumação também ocorre em momento determinado, mas os efeitos dela decorrentes são indeléveis, como no homicídio consumado, por exemplo”.

 

A aplicação e instauração do processo administrativo de caráter disciplinar permite que nestes casos a regra da prescrição por abandono não se opera, posto que trata de exceção à regra. E porque a exceção à regra, pelo simples motivo que somente por procedimento administrativo; pois não se trata de processo judicial, poderá ocorrer em tese, a demissão rompendo-se assim definitivamente o vínculo funcional com esta municipalidade. 

Assim, nos crimes instantâneos de efeitos permanentes a infração administrativa ocorrida em determinado tempo ia se operando durante o lapso temporal subsequente em aberto, ensejando assim a continuidade do processo administrativo disciplinar até a sua finalização, garantindo-se ao servidor o contraditório e a ampla defesa; entretanto, com  anova orientação jurisprudencial trata-se de crime permanente que é aquele em que a execução se protrai no tempo, enfim, seja pela orientação anterior de crime instantâneo de efeitos permanentes ou de crime permanente, note-se que nestes casos de demissão, portanto, não há que se falar de prescrição.

 

A aplicação e instauração do processo administrativo de caráter disciplinar permite que nestes casos a regra da prescrição por abandono não se opera, posto que trata de exceção à regra. E porque a exceção à regra, pelo simples motivo que somente por procedimento administrativo pode ocorrer a demissão; pois não se trata de processo judicial, poderá ocorrer em tese, a demissão rompendo-se assim definitivamente o vínculo funcional com esta municipalidade.

 

CONCLUSÃO:

 

Por fim, após as análises, chegamos à conclusão que, conforme o artigo 41 da Constituição Federal de 1988, os servidores públicos nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público se tornam estáveis após três anos de efetivo exercício.

 

A estabilidade garante ao servidor a permanência no cargo, exceto em algumas hipóteses específicas. A perda do cargo somente pode ocorrer mediante sentença judicial transitada em julgado ou mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa.

 

Além disso, o servidor também pode perder o cargo em virtude de procedimento de avaliação periódica de desempenho, desde que haja previsão em lei complementar e seja assegurada ampla defesa.

 

Na interpretação apresentada, o abandono de cargo configura uma infração administrativa permanente enquanto perdurar essa situação de ausência do trabalho. Portanto, é do interesse da Administração Pública e da lei que essa conduta seja investigada e apurada.

 

É importante destacar que a ampla defesa e o contraditório são direitos fundamentais que devem ser respeitados em qualquer processo administrativo, garantindo ao servidor a oportunidade de apresentar sua defesa e contestar as acusações feitas contra ele. Assim, não se opera a prescrição nestes casos em específicos como o analisado.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA:

 

 

Fonte: Manual de Direito Penal – Rogério Sanches Cunha

Principais diferenças:

– Crime instantâneo: consumação imediata;

– Crime permanente: execução prolongada no tempo por vontade do agente;

– Crime instantâneo de efeitos permanentes: consumação imediata e efeitos duradouros.

 

Santos, Eduardo Augusto Valle Vasconce, Advogado e Assessor do Núcleo de Disciplina e Ética da Corregedoria da Secretaria-Executiva de Educação do Estado do Pará.

 

Procuradoria-Geral do Estado do Pará, conforme Parecer n°030/2005 – PGE/PA, da lavra da douta Procuradora Giselle Benarroch Barcessat Freire.

 

Citações de jurisprudências do STJ e STF.

 

 

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