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Breno Urbano Cardoso - Articulista
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Economista e estudante de Direito.


Artigo do articulista

A influência da Declaração Universal Dos Direitos Humanos, de 1948, na interpretação das normas jurídicas após a Segunda Guerra Mundial

1. Um breve contexto histórico

A questão dos Direitos Humanos é primordial na medida em que o ser humano é objeto do Direito. Mesmo após a Segunda Guerra Mundial e a positivação destes direitos em declaração universal, ameaças à dignidade humana ainda são constantes no mundo e a importância para estudarmos o tema.

A primeira Constituição escrita do mundo foi a dos Estados Unidos da América em 1787, marco da Revolução Americana. Nela, o texto constitucional contemplou importantes marcos históricos, como a forma federativa de Estado, a abolição da monarquia inglesa, a independência das colônias norte-americanas, separação dos poderes, supremacia da lei, igualdade e liberdade.

Após dois anos do Constitucionalismo Americano, a célebre Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, é tido como o principal documento culminante da Revolução Francesa, incorporada na primeira Constituição francesa em 1791. Sucessivamente esse processo de expansão universal do Constitucionalismo marcou o Fim do Antigo Regime e a instrumentalização da proteção dos direitos individuais, a partir de cartas constitucionais consolidadas em um Estado de Direito.

Se avançarmos um pouco mais nessa linha histórica, chegaremos à eclosão de duas Grandes Guerras Mundiais. A Primeira Guerra Mundial, que terminou com a assinatura do Tratado de Paz, também conhecido como Tratado de Versalhes e a formação da Liga das Nações. A Segunda Guerra Mundial, ainda maior, encerrou-se com o lançamento de duas bombas atômicas, milhões de mortos, e a redenção nipônica em 2 de setembro de 1945.

2. A Era das Constituições do pós-guerra

Em um acordo de paz, os países vencedores da Segunda Guerra Mundial instituíram a Organização das Nações Unidas (ONU) e proclamaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 10 de dezembro de 1948. Neste documento, os Direitos Humanos foram definidos como “garantias jurídicas universais que protegem pessoas e grupos contra ações ou omissões dos governos que atentem contra a dignidade humana”. Esse período ficou conhecido como a “Era das Constituições do pós-guerra” e os Direitos Sociais foram inseridos nos programas de atuação governamental por diversos países. Essa aproximação de ideias de Constitucionalismo e Democracia produziu uma nova forma de organização política, que podemos também interpretar por diversos nomes, tais como Estado Democrático de Direito, Estado Constitucional de Direito e Estado Constitucional Democrático.

3. Interpretação constitucional e dignidade humana

Liberdade está relacionado diretamente com o conceito de dignidade, porque é na sua violação que se cometem as grandes violências. Neste aspecto, não podemos deixar de mencionar o importante trabalho do jurista Karel Vasak ao classificar os Direitos Humanos em três dimensões (alguns doutrinadores denominam de gerações), em referência ao lema da Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. A primeira geração está relacionada à ideia clássica de liberdade, considerada como negativa, porque neste caso, a atuação estatal interfere diretamente na liberdade da pessoa. Como exemplo, temos a liberdade de expressão, a liberdade de locomoção, o voto, entre outros direitos civis e políticos. A segunda geração está ligada ao conceito de igualdade, e são imprescindíveis à possibilidade de uma vida digna. São estes os direitos sociais, econômicos e culturais. Por fim, sem querer esgotar o tema, a terceira geração tutela a fraternidade, a solidariedade, princípios norteadores para a conquista de novos direitos, como por exemplo, o direito ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à comunicação, e principalmente à paz social. Nessa perspectiva, a paz é um valor e um dever universal que encontra seu fundamento na ordem racional e moral de todas as sociedades.

No Brasil, os Constituintes de 1988 lançaram no Preâmbulo da Constituição Federal (a parte introdutória, que integra o corpo da Constituição, constitui introdução e síntese do seu programa ) que a Nação brasileira é um Estado Democrático de Direito e, notadamente no artigo 5º, estão elencados os direitos fundamentais com setenta e oito incisos, além de outros direitos dos cidadãos que estão distribuídos pelo corpo da Carta Constitucional. Desse modo, podemos afirmar que nossa Carta é de uma extraordinária riqueza nos valores que consagra, nos princípios que adota e nos programas que preconiza. Nosso problema é a falta de leitura e de conhecimento do que ela manda garantir aos cidadãos como direito.
    Uma Constituição não é só técnica. Por trás dela, deve haver a capacidade de interpretar conquistas e de mobilizar o imaginário das pessoas para novos avanços sociais. Nesse sentido, os direitos sociais necessitam, para sua existência, de uma base conceitual que justifique e possibilite a sua existência. A essência desses direitos somente será alcançada a partir da atuação de um modelo de Estado em uma dimensão fraterna.

A interpretação jurídica, basicamente, consiste em atribuir sentido e alcance a textos e elementos normativos. Trata-se de uma atividade intelectual no processo interpretativo que incide sobre os fatos relevantes. Por sua vez, a interpretação constitucional é um fenômeno complexo, firmado, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, que transcende o plano estritamente dogmático para o alcance da dignidade humana.

Apresenta-se assim o Princípio da interpretação conforme a Constituição como garantia para conservação da validade de determinadas normas. Assim, a dignidade humana vai além de um valor fundamental. Ela é um princípio jurídico de status constitucional. Isto significa que o conteúdo essencial da dignidade humana implica em interpretações com caráter informativo sobre o sentido e o alcance dos direitos constitucionais. Esse princípio abriga, simultaneamente, uma técnica de interpretação e um mecanismo de controle de constitucionalidade, de modo a realizar, de maneira mais adequada, os valores e fins constitucionais. Vale dizer que entre interpretações possíveis, deve-se escolher a que tem mais afinidade com a Constituição.

4. A dignidade humana e os fundamentos dos direitos sociais na contemporaneidade

Após algumas décadas, o ódio a pessoas de outras raças, ou condições sociais, a intolerância e a incapacidade de convivência pacífica com a diversidade, ainda está presente em diversos países tidos como “democráticos”. A violência contra os direitos fundamentais está presente nos discursos principalmente quando se trata de certos tipos de fanatismos.

A exemplo dessa discussão, estamos atualmente acompanhando a guerra entre a Rússia e a Ucrânia. A violência e o fanatismo que exploramos no começo do texto ainda transformam o mundo em palco de destruição através da cultura da intolerância. Em um primeiro momento, podemos supor que há uma incapacidade de convivência pacífica em um planeta cada vez mais globalizado. Neste aspecto, a liberdade, a vida e os direitos fundamentais parecem estar mais fragilizados em relação a valores ideológicos, culturais, políticos ou religiosos.

A violência não cessa por si própria. Bem por isto, há um sistema internacional de proteção dos Direitos Humanos, que se reflete nos ordenamentos jurídicos internos, a partir de tratados internacionais de paz, condizente com o caráter de compromisso de fraternidade universal. Portanto, a fraternidade nos remete a uma noção de equilíbrio entre direitos e deveres, baseada na ideia de solidariedade confiada ao próprio sujeito.

5. Conclusão

Não se pretendeu aqui esgotar o assunto mas, sim, abordar os princípios e regras constantes destes importantes documentos. Mais importante que textos bem feitos, é a concretização de tais direitos. Deve-se respeitar a força normativa da Constituição, a partir de uma interpretação condizente com direitos fundamentais para a aplicação imediata e urgente dos Direitos Humanos.

Neste breve ensaio buscamos explorar uma base jurídica por meio da releitura hermenêutica do princípio da dignidade humana, como fonte das sucessivas gerações de direitos humanos, para alcançarmos os direitos sociais. Entende-se que a dignidade humana é a fonte da qual os direitos fundamentais extraem seu conteúdo. É ela que possibilita o consenso entre os cidadãos de diferentes origens.

Os direitos sociais, necessitam para sua existência, de uma base conceitual que justifique e possibilite a sua existência. A essência desses direitos somente será alcançada a partir da atuação de um modelo de Estado em sua dimensão fraterna. A primeira tarefa que fica é adotarmos um modelo de interpretação constitucional com conteúdo mínimo de laicidade, neutralidade e universalidade. A segunda, trazer à baila a ideia de que o Estado existe para o indivíduo, e não o contrário. Por fim, e não menos importante, buscar os direitos fundamentais, à luz dos princípios constitucionais, como garantia de nossos direitos.


6. Referências bibliográficas

SOUZA, Carlos Aurélio Mota de. Direito humanos urgente / Carlos Aurélio Mota de Souza. - 2. Ed., rev., atual. E ampl. - São Paulo: Letras Jurídicas, 2019.

Direitos humanos e fundamentais e desenvolvimento social / organização Grasiele Augusta Ferreira Nascimento, Viviane Coêlho de Selos Knoerr, João Marcelo de Lima Assafim, Lafayette Pazzoli. - 2. ed. - São Paulo: Letras Jurídicas, 2022.